5 Marco 2012
Zagueiro da seleção do Timor Leste é o último reforço
Wellington Rocha está inscrito para sequência da Série A2; recentemente o jogador entrou para história do
futebol timorense
Texto: Alessandro Bocchi
O zagueiro Wellington Rocha dos Santos, de 21 anos, foi o último reforço da Ferroviária a ser inscrito para a continuidade do Paulista da Série A2.
Natural da capital paulista, o jovem atleta tem uma história curiosa e não muito convencional no futebol, já que faz parte da seleção do Timor Leste,
tendo grande reconhecimento no país, depois da primeira vitória do selecionado timorense em partida oficiais, ocorrida em novembro de 2011, na
disputa da Copa da Ásia Sub-23.
Canhoto, o zagueiro Rocha, como gosta de ser chamado, passou pelas categorias de base do São Paulo e Pão de Açúcar, se profissionalizou no Marília,
tendo atuado pelo Atlético Araçatuba em 2011, mesmo ano em que conquistou o acesso e foi vice-campeão da Série A3 pela Santacruzense.
E foi justamente na temporada passada que o técnico brasileiro, Antônio Vieira, responsável pela equipe Sub-23 e pelo selecionado principal do Timor
Leste viu o zagueiro em ação. Surpreso com os atributos do atleta, ele o convidou para se naturalizar cidadão timorense, a fim de defender o
selecionado daquele país. “Todos sonham em jogar pela seleção brasileira. De repente, no início de carreira, você recebe um convite inesperado de
outra nação. Foi um choque e uma novidade, mas aceitei o desafio futebolístico e cultural”, contou o novo zagueiro da Ferroviária, de 1,90m e que já
está integrado, treinando com o restante do grupo.
Perante à afirmativa de Rocha, Antônio Vieira convocou o jogador para figurar na Copa da Ásia Sub-23, disputada entre novembro e dezembro de 2011.
“Estava disputando a Copa Paulista pela Itapirense antes da convocação. Foram dois meses de pré-temporada. Treinamos no Timor e também na Indonésia,
país onde o torneio foi realizado”, explicou o atleta. Indagado sobre suas características, disse ser um zagueiro técnico, que procura usar a
impulsão, a qualidade no passe, além da determinação e força de vontade em campo.
Futebol no Timor Leste
O Timor Leste tem sua federação filiada à Confederação Asiática de Futebol, pela qual disputa as eliminatórias para a Copa do Mundo. Em 2011, o país
terminou na 200ª posição no ranking da FIFA, e a melhor colocação foi o 197ª lugar, em 2008. A seleção daquele país é a nona de língua portuguesa
filiada à FIFA. O primeiro duelo internacional do Timor Leste aconteceu em 2003, na derrota por 3 a 2 para Sri Lanka, mas demorou oito anos para que
o país comemorasse o primeiro triunfo na modalidade. O feito inédito ocorreu na já citada Copa da Ásia, Sub-23, na vitória por 2 a 1 sobre a seleção
de Brunei.
“A felicidade do povo foi indescritível. O presidente do país fretou vários aviões, a fim de levar a torcida, que esteve presente em todos os jogos.
O Timor parou para acompanhar o Torneio”, destaca Rocha, que já está convocado para seleção principal e irá participar em julho da Copa da Ásia. Na
ótica do jogador, a explosão de alegria não era resultado apenas de uma partida de futebol.
“Víamos o semblante daquelas pessoas no estádio. Estavam ali pela seleção, mas muito mais pelo patriotismo, pelo resgate da autoestima. Até pela
facilidade da língua, é impossível chegar ao Timor e não se envolver com a história recente de guerra no país, que embora tenha costumes diferentes,
possui um povo amável e receptível”, frisou o zagueiro. Após vencer o duelo de estreia na Copa da Ásia (fotos), o Timor Leste ainda ganhou pelo mesmo
placar da seleção de Filipinas, tendo empatado o terceiro dos seis duelos disputados na competição.
Acontece que no país não há uma liga de futebol, e, por isso, a seleção Sub-23 é composta por atletas timorenses que atuam em outros países e por
quatro brasileiros, que optaram por se naturalizarem para atuar na seleção. Rocha disse estar ansioso para voltar a defender o país, dessa vez pela
seleção principal. “Os últimos acontecimentos futebolísticos marcaram o povo timorense. Comigo não foi diferente. Por tudo que já citei, foi criada
uma empatia muito grande e sinto grande orgulho em estar convocado”, frisou o jogador. Ele falou sobre as características de jogo no país. “Nosso
intuito é colocar o Timor em evidência, a fim de que haja uma Liga e que o futebol no país atinja o profissionalismo. Na seleção e na Ásia, de uma
maneira geral, é dinâmico e de muita velocidade”, contou o jogador, que presenciou cenas incomuns, se comparadas ao cotidiano brasileiro.
“Não estamos acostumados a ver churrasco de cachorro. No comércio é vendido o espeto de cães e peixes, que ficam expostos vivos, para que o cliente
possa escolher, antes das refeições. Lá o tempero é extremamente doce e o crocodilo é tido como animal sagrado. Para os timorenses o réptil é um
antepassado, como um avô ou um ancestral responsável pelo povoamento do país. Um policial para se defender acabou atirando num crocodilo e foi banido
do Timor”, explicou Rocha.
Foco da Ferroviária
O zagueiro disse estar contente com a chance de atuar pela equipe de Araraquara. “Tenho os pés no chão, pois há uma diferença enorme entre o futebol
praticado nos dois países. Acho interessante contar a passagem no Timor pelo fato de existir vários fatores associados, contudo sei da dificuldade
que será pleitear uma vaga na equipe da Ferroviária, onde há jogadores de qualidade no setor. Quero estar apto para ajudar, e vou trabalhar,
aguardando minha oportunidade”, analisou o zagueiro.
Mais do Timor
O Timor Leste é um país asiático de colonização portuguesa situado no Pacífico, ao lado da Indonésia. Trata-se do país mais jovem do planeta, tendo
ficado fechado ao mundo durante 24 anos (1975-1999), período em que o povo timorense sofreu uma atroz ocupação por parte da Indonésia, considerada
por muitos como o maior genocídio, proporcional à população do século XX, após o holocausto nazista, com 44% dos seus populares mortos.
Episódios cruéis foram protagonizados pelo exército indonésio, sem que o restante do mundo soubesse. Em 1991, uma multidão homenageava um estudante
morto pela repressão, quando pelo menos 200 pessoas foram brutalmente assassinadas numa caçada humana, inclusive nos hospitais. As imagens do
massacre, realizadas por jornalistas estrangeiros, fizeram com que o mundo descobrisse a tragédia do Timor.